1 de dezembro de 2009

Victor & Leo: Entre Cachorros e Alquimistas

Victor & Leo: Entre Cachorros e Alquimistas


Tem um serial dog killer no meu bairro. De uns quinze dias pra cá, mais de uma dúzia de cães já morreram subitamente, todos da mesma maneira, espumando pela boca, vítimas de envenenamento. De todas as mortes, uma em especial causou indignação na vizinhança, a morte de Bola, a cadelinha baixinha e gordinha que estava amamentando quatro filhotinhos.

Eu moro numa casa de fundos, de apenas três cômodos, mas que serve pra nós quatro, escriba, esposa e casal de filhos. Na frente tem uma construção de madeira que mais parece um cativeiro, mas que serve para desestimular ladrões em potencial. Era debaixo desta construção que Bola amamentava seus rebentos.

Certa noite, sentado na varanda, conversando com Arthur, 7 anos, sagitariano e torcedor do Inter e Alice, 3 anos, ariana e um piadista nata, ouvimos gemidos no escuro. Assustados, munidos de uma vela, fomos verificar e eis que um dos quatro filhotes, magérrimo e faminto, tinha conseguido se arrastar por dezenas de metros em meio às ervas daninhas que vivo adiando a carpina. Estava pedindo ajuda.

Foi então que constatamos que estavam órfãos. Um já estava morto. Recolhemos os três, o mais fortinho que havia pedido socorro e os outros dois. Alice emprestou sua mamadeira para tentar salvá-los, pois é admiradora dos animais. De todos os animais. Certa feita sua mãe ia jogar sal sobre uma lesma no banheiro e ela se posicionou entre as duas, com os braços abertos e cara de braba: “não mata o meu amigo!” Quando pegou piolho, noticiou a aquisição toda orgulhosa e se achando e se recusava a tomar banho com Escabin: “os piolhos são meus amigos!”

No entanto, um segundo filhote morreu nos braços dela, que chorou copiosamente de forma que emocionou até o Arthur, que chorou também. Para animá-los, enalteci a força e a coragem do cachorrinho que havia nos alertado para a morte da mãe e, para tentar animá-los, contei a primeira história de heroísmo infantil que me veio à cabeça. Não me cobrem fidelidade histórica, os meninos estavam tristes, ora xongas.




Há muitos anos, existia um lugar chamado Esparta, onde o heroísmo era muito respeitado. Um menino chamado Leônidas, a título de teste de braveza, foi enviado sozinho, pelado e faminto para a floresta. Durante a noite, sentiu muito frio, se escondeu entre umas pedras e sentiu muito medo ao ouvir um lobo se aproximar rosnando. Pegou a única arma que conseguiu por perto, uma pedaço de pau com a ponta mais ou menos afiada e com esta arma conseguiu matar o lobo, se alimentar com sua carne e se vestir com sua pele.

Ao voltar a Esparta vestindo aquela roupa, as pessoas aplaudiram muito, ficaram muito felizes e como prêmio, ele foi coroado Rei de Esparta.

Arthur sorriu e perguntou: - Pai, vamos botar o nome dele de Leônidas?

Timpin: - Pode ser, mas não é um nome muito complicado pra ficar chamando? Leôôôônidas!

Arthur: - Ué, a gente chama de Leo pai.

Alice, piadista da hora: - E o outro a gente chama de Victor.

Todos gargalhamos, fomos dormir felizes, a dupla sobreviveu e agora eu tenho uma dupla de cachorrinhos chamada Victor & Leo.

No caso da dupla de cantores humanos, a analogia deste conto de heroísmo pode ser fácilmente aplicável assim que se começa a escutar seu novo disco, Ao Vivo e Em Cores, gravado ao vivo em setembro no Ginásio do Ibirapuera em duas sessões. Trata-se de um disco corajoso.




Já na introdução se observa que estamos diante de um novo patamar em termos arranjos. Intrumentos de cordas, uma batida pulsante e um Victor cantarolando em tons jazzísticos de improviso. Logo a introdução é emendada na música que André Forastieiri elegeu como o vídeo do ano, quando fez sua crítica ao VMB 2009 do canal MTV, que ignorou esnobemente os artistas da Musica Original Brasileira (MOB), que vivo dizendo que será a subsituta da moribunda MPB, que de popular não tem nada. Trate-se do hit Borboletas, que dispensa apresentações.

Mas é na segunda música que a obra-prima começa a ser lapidada. "Estrela Cadente", a primeira música de trabalho é swuingada, tem solos extremamente bem executados e um refrão ganchudo que já caiu nas graças do ouvintes das rádios FM. Logo em seguida, Victor & Leo me vem com a música pela qual um dia eles ainda vão me pagar. A lazarenta me faz ficar arrepiado e tamanha viadagem eu só costumo praticar ao escutar a Elba cantando "Chão de Giz", e a Elis cantando "Como nossos pais" e só. E não é que os putos conseguiram?

Só que o choque que quase me derrubou da cadeira na primeira audição foi a faixa-título do album, "Ao Vivo e Em Cores". Um baixão saturado e uma batida marcial que meu causou um De Javu instantâneo e fulminante. Quando escrevi "O Céu e o Inferno de Victor & Leo", havia comparado Victor Chaves a Paulo Ricardo. Pois música lembra demais o RMP e todo aquele frisson oitentista, sem deixar de se contextualizar com o resto da obra da dupla. Certamente a coisa mais diferente e vanguardista que a música sertaneja já produziu.




Em "Deus e eu no sertão" os dois deixam o público dar uma palhinha de quase um minuto. Quem estava lá garante foi um momento a ser lembrado pelo resto da vida. Depois entra Alcione num dueto, se não inustado, pelo menos matador. Com este começo, fica fácil administrar o resultado no jogo no resto do disco. O cover de "Anunciação" ficou bacana, "Cavalo Enxuto" é praticamente um reedição de "O granfino e o caipira", com o trabalho de violão de Victor agregando valor a sua canção.

"Moça Rebelde" é como se as antigas modas de viola caipira tivessem sido atualizadas para o século XXI sem ter sequer um arranhãozinho de influência do sertanejo dos anos 90. Já "Nada Normal" chega a ser covardia, essa composição é tão boa que acho que nem Eduardo Costa seria capaz de destruí-la. Eu garanto, se Cassia Eller fosse viva, tocaria em seus shows. "Lá em casa" encerra o espetáculo como uma volta para interior, falando dos pais e dos antigos cheiros de broas caseiras.

O disco tem recebido muitas críticas reclamando da repetição do repertório, pouquíssimas inéditas. Mas acontece que a perfeição se obtem com a repetição e o esmero na execução. João Gilberto não toca as mesmas músicas a décadas? Porque Victor & Leo não podem? Era através da repetição das experiências e de dezenas de destilagens que os alquimistas da Idade Média tentavam refinar seus metais em busca da Grande Obra. Ao Vivo e em Cores é isso, um tratato alquímico musical, a busca da grande obra por dois artistas corajosos.




Talvez não seja o êxito comercial que sua gravadora espere. Talvez eles percam boa parte do público consumidor de música sertaneja, que até agora ainda não digeriu direito as esquivas em se assumir como membros de uma dupla sertaneja na coletiva que deram antes da gravação do show. São riscos, mas genialidade não combina com segurança e em muitos casos a fatura enviada ao gênio costuma ser bem salgada. Mozart morreu indigente. Nikola Tesla, que inventou o gerador de corrente alternada e que permitiu que o século XX fosse o que foi, morreu falido e louco.

Talvez eles quebrem a cara, mas uma coisa é certa, por uns bons anos terei Victor & Leo latindo em meu quintal, me acompanhando ao ponto de ônibus todas as manhãs em que eu sair para trabalhar e faturando as cadelinhas mais gostosas do bairro quando estiverem no cio, porque eu garanto, os danadinhos são bonitinhos pacas.

por Timpin

Timoteo "Timpin" Pinto fala de ritmos populares de uma maneira sem preconceitos e com o respeito que eles merecem, tanto aqui quanto em seu blog.

Fonte: MTV/Coluna BIS
Pesquisa: Vânia Waleska

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